sábado, 22 de agosto de 2009

«Quando nos perdemos em bosques sombrios como estes, por vezes levamos algum tempo a perceber que nos perdemos. Ficamos convencidos de que nos desviámos apenas alguns passos da nossa rota e que a qualquer momento voltaremos a encontrar o caminho certo. Depois, a noite cai dia após dia e continuamos sem fazer ideia do sítio onde estamos. É nessa altura que admitimos ter-nos desviado tanto do caminho que já nem sabemos onde nasce o Sol.
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Mas expliquei-lhe que a dor profunda é por vezes como um local específico, uma coordenada num mapa do tempo. Quando nos encontramos naquela floresta de dor, não imaginamos que seja possível encontrar um dia o caminho para um lugar melhor. Mas se alguém nos disser que já ali esteve, naquele mesmo lugar, e que conseguiu de lá sair, isso por vezes dá alguma esperança.
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Sinto que o destino também é um relacionamento - um jogo entre a graça divina e a perseverança pessoal. Metade escapa ao nosso controlo, a outra metade está inteiramente nas nossas mãos e as nossas acções mostrarão resultados em consonância. O homem não é inteiramente uma marioneta na mão dos deuses, nem é inteiramente o comandante do seu próprio destino; é um bocadinho dos dois. Galopamos ao longo da vida como artistas de circo equilibrados em dois cavalos lado a lado - um pé sobre o cavalo chamado destino, o outro sobre o cavalo chamado livre-arbítrio. E aquilo que temos de equacionar todos os dias é qual dos cavalos está em causa, com qual deles posso deixar de me preocupar porque não está sob o meu controlo e qual precisa que eu o guie com esforço e concentração.
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Procuramos a felicidade em toda a parte, mas somos como o pedinte imaginado por Tolstoi que passou a vida sentado em cima de um pote de ouro, a pedir moedas aos transeuntes, desconhecendo que sua fortuna estava mesmo debaixo dele o tempo todo.
O nosso tesouro - a nossa perfeição - já está dentro de nós. Mas para o reclamarmos temos de abandonar a comoção conturbada da mente e os desejos do ego e entrar no silêncio do coração.
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As pessoas tendem a pensar que a felicidade é um golpe de sorte, algo que talvez desça sobre nós como o bom tempo se formos suficientemente afortunados. Mas não é assim que a felicidade funciona. A felicidade é a consequência do esforço pessoal. Lutamos por ela, procuramo-la arduamente, insistimos nela e às vezes até viajamos pelo mundo fora à sua procura. Temos de participar infatigavelmente nas manifesteções das nossas próprias bençãos. E quando atingimos um estado de felicidade, nunca devemos descurar a sua manutenção, temos de fazer um esforço supremo para continuar a nadar eternamente na sua direcção, para ficarmos a flutuar sobre ela. Se não o fizermos, o nosso contentamento inato ir-se-à esvaindo. É fácil rezar quando estamos aflitos, mas continuar a rezar mesmo depois da crise ter passado é como um processo de confirmação que ajuda a nossa alma a agarrar-se firmemente aos seus feitos.»

Elizabeth Gilbert - "comer, orar, amar"