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O meu avó lá estava á nossa espera, para nos dar boleia até á cidade, para finalmente ver o carnaval. Entrávamos dentro do jipe verde, da GNR, pois ele era guarda - motorista. Entrávamos no centro da cidade e ele paráva junto ao quartel. Saiamos quase correndo, em direcção ás bilheteiras. Como eramos todos relativamente pequenos, entrávamos sempre sem pagar. E aí começava a nossa brincadeira. Era correr, lançar balões, e procurar o melhor sítio, onde desse para ver á nossa altura de meninos. Sabiamos que estava a começar quando ouviamos os tambores do grupo que abria o carnaval. Estou com dificuldade em lembrar-me do nome, mas hoje ao que sei já não existe no desfile. Lá vinham as meninas, segurando um artefacto de metal, lançando-o ao ar conforme as batidas dos tambores, todas alinhadas, nos seus trajes sempre iguais ao longo dos anos. Era o grupo que eu mais gostava. E sempre me imaginava a desfilar com elas. Só depois começava o corso carnavalesco. E nós assistiamos a tudo e riamos com as brincadeiras dos que tinham o privilégio de estar lá dentro da rua, a desfilar. E no fim, quando terminava, ansiavamos a passagem do rei e da rainha. Não que eles nos captassem a atenção por serem rei ou rainha, mas apenas porque, enquanto passavam, lançavam serpentinas. Era o delírio. Eram as nossas mãos a tentar agarrar quantas fossem possíveis. Eramos nós a saltar, junto com tantas outras crianças, por aqueles pedaços de papel colorido, enroladinhos. Uma vez consegui apanhar quatro! guardei nos bolsos até as pessoas irem desaparecendo rumo ás suas casas. Partilhavamos então os nossos troféus, a quantidade e as cores. E lançavamos as serpentinas, rolo por rolo, á altura dos nossos sonhos. e sorriamos.
Em todos os anos em que este ritual se repetiu, apenas uma vez me lembro de nos terem comprado um pacote de serpentinas. Deve ter sido quando a mãe tinha dinheiro. Hoje vi num hipermercado o preço de um pacote: 40 centimos. Será que alguem ainda corre atrás do rei e da rainha?"
(Texto da autoria da ManaSandra)